Duas das maiores empresas da indústria de alimentos explicam como utilizam inteligência artificial e análise de dados no dia a dia dentro das fábricas


A indústria de alimentos e bebidas passa por uma transformação marcante, impulsionada pela inteligência artificial (IA). Gustavo Modesto de Moura, da Nestlé, destaca como a IA eleva a eficiência e produtividade, um fator crucial em um setor com margens apertadas. Além de otimizar processos, a Nestlé capacita seus trabalhadores com informações em tempo real, conferindo autonomia às decisões.

A M. Dias Branco, líder na produção de alimentos, ilustra a jornada de adaptação às tecnologias emergentes. Yunare Marinho Targino ressalta a busca por referências externas e a escolha criteriosa de parceiros. Pilotos e tomadas de decisões baseadas em dados também se destacam. Contudo, a simples adoção de tecnologia não basta; a empresa reconhece a importância dos cientistas e analistas de dados como competência vital. 

Os dois executivos participaram da Arena Fispal Tec, durante a Fispal Tecnologia e TecnoCarne 2023, no painel intitulado “Conheça as vantagens e desvantagens da inteligência artificial na transformação das indústrias em ágeis”. Inscreva-se na Plataforma Digital Fispal Tec e tenha acesso a todo conteúdo do congresso. 

Case Nestlé 

Para Gustavo Modesto de Moura, Digital Transformation Program e E&A Manager da Nestlé, a inteligência artificial colabora principalmente com aumento da eficiência e produtividade. 

“Isso significa que eu consigo produzir mais e, dependendo das vezes, com menos recursos. E quando eu digo recursos, falo no sentido mais amplo da palavra, seja recursos humanos ou recurso de tempo”, diz o executivo. 

O ganho de eficiência no setor de alimento via inteligência artificial tem ainda mais potencial de ganhos do que nas indústrias de produtos com maior valor agregado. “A gente trabalha com custo de conversão, e nós temos que ser excelentes, não basta ser bom, nesse processo de transformação”, diz. 

IA é essencial para indústrias de margens baixas

Isso por conta do tíquete médio baixo que a indústria tem em relação a outros setores, como o de automobilismo, mencionado por Modesto. “Enquanto eu coloco à venda biscoitos por algo em torno de 5 ou 6 reais, a indústria de automóveis tem produtos de milhares de reais”, compara. 

Na percepção de Modesto, portanto, o uso de tecnologia de IA no setor de alimentos pode ser ainda mais revolucionário porque é capaz de reduzir, de maneira mais drástica, ineficiências e inconsistências dentro da indústria. E isso impacta diretamente na produtividade dos trabalhadores do setor, que se beneficia, de maneira indireta, da automação de parte dos processos de produção.

“Se eu tenho a plataforma correta para trazer as informações do que está acontecendo na linha, no meu processo produtivo, naquele momento exato, eu também estou dando maior autonomia para o meu operador para que ele tome melhores decisões”, avalia.

E o consumidor, o que ganha?

Com o aumento da eficiência dentro das plantas industriais do setor de alimentos, a produção de soluções customizadas, com muitas diversidades de sabores, se torna mais acessível.  

Dentro da indústria, para atingir essa diversidade na produção, Modesto explica que existe uma complexidade na programação das máquinas, mas que é possível fazer essa programação refinada sem aumentar custos. 

“Essa customização significa diferentes setups de máquinas, muitas mudanças, e como que eu faço isso sem que isso vire um entrave ou um impacto no meu custo de conversão de novo? Eu tenho que usar de tecnologia de inteligência artificial de demais recursos digitais para tornar tudo isso possível”, avalia. 

Porém, ele destaca que é preciso estar ciente da velocidade das mudanças das tecnologias e de como elas podem ficar obsoletas em questão de meses, o que exige que os gestores não se apeguem a ideias ou soluções que pareciam revolucionárias em determinado momento  

“A grande questão é como eu estou me posicionando, como eu me adequo (à transformação digital), como eu faço a governança para estar sempre antenado com o que tem de melhor e, de fato, usar aquilo que é relevante para mim. Caso contrário, posso usar todo tipo de tecnologia sem que seja agregado nenhum valor”, alerta Modesto. 

M. Dias Branco e a transformação digital

A M.Dias Branco, uma das maiores do setor de produção de alimentos do país, precisou assumir uma postura de humildade ante o mercado para que houvesse a adaptação da tradicional empresa à transformação digital, conforme contou Yunare Marinho Targino, gerente de Processos Industriais.

“Há quatro anos, quando começamos a perceber essa necessidade de inclusão de soluções em analytics e outras tecnologias, fomos começar primeiro a fazer benchmark externo. Saímos de casa, de dentro da nossa caixinha, para visitar empresas que já estavam à frente nesse tema para que a gente pudesse evoluir”, revela Targino. 

O processo de adesão a novas tecnologias envolveu também escolher o melhor parceiro. “Várias empresas, consultorias especializadas, chegavam à nossa porta. Aí, a gente teve que fazer visitas para ver aquilo que iria agregar valor ao nosso momento e resolver algumas das nossas dores, até que nos associamos à empresa que, na nossa visão, foi a melhor escolha”, detalha. 

Experimentando inovações

Na sequência, depois de escolher o parceiro que ajudaria a empresa a trilhar o caminho da transformação digital, a M. Dias Branco escolheu pontos para colocar em prática alguns pilotos, de forma que as soluções tecnológicas mostrassem, de fato, que poderiam agregar valor, reduzir custos e gerar resultados. 

“Anos depois, a gente vem fazendo essa expansão – e aí entram todas as nossas plataformas – dessa jornada das tecnologias a de manutenção preditiva dos pontos mais críticos”, diz Targino ao mencionar o papel das novas tecnologias, especialmente de analytics, em processos de manutenção do maquinário da M. Dias Branco em suas diferentes plantas.  

Para criar um sistema eficiente de domínio das informações e de decisões orientadas por esses dados, a empresa colocou em prática uma medida ousada. “Temos uma planta em Fortaleza que é a nossa fornecedora de gordura para as 17 fábricas. Foi lá que fizemos nosso piloto, sabendo que, se desse certo lá, seria possível replicar em outros lugares”, afirma o executivo.

Capital humano especializado

Mas Targino destaca que não basta tecnologia e boas estratégias de transformação digital. É preciso mão de obra qualificada para tirar o plano do papel.  

Isso traz à tona o debate sobre a necessidade de cientistas e analistas de dados dentro das organizações da indústria de alimentos. “Essa é a nova competência necessária às organizações”, diz o gerente de Processos Industriais da M. Dias Branco. 

“Nosso desafio, com os nossos analistas, tem sido ver não só a informação, mas captar toda a análise do processo, em toda a cadeia. E isso tem sido algo novo para nós”, acrescenta. 

Diante disso, a M. Dias Branco segue seu caminho de transformação digital tendo como norte a atenção sobre novas soluções e a humildade de reconhecer que uma empresa com muitas décadas de vida talvez não tenha o vigor e a velocidade que a inovação exige, mas que é possível acompanhar de perto as novidades e colocá-las em prática sem demora para não ficar atrás da concorrência. 

“Organizamos toda a nossa estrutura e fizemos nosso roadmap para que a gente não se perca nesse processo. Porque as novas gerações de empresas estão vindo aí, em um ritmo muito forte e a gente precisa estar conectado e organizado. E a ideia é essa: ver as boas práticas, visitar, fazer conexões para construir uma nova história daqui em diante”, conclui o executivo da M. Dias Branco. 

(Fonte: Fispal Tecnews, 28 de setembro de 2023)