Chega. Circularidade não é a métrica que nos salvará da poluição plástica. Temos uma opção melhor.


Pragmaticamente falando, plástico em aterro sanitário não causa impacto ambiental significativo. Nossos filhos e netos poderiam continuar aterrando plásticos… e o mundo continuaria o mesmo. Plástico em aterros não é poluição plástica. Em alguns casos, como o do polietileno produzido à base de cana-de-açúcar, plástico em aterros pode ser uma das formas mais econômicas e escaláveis de sequestrar carbono atmosférico.

Do outro lado, a poluição plástica – composta por aquele plástico que escapa da coleta – traz sim impactos ambientais significativos. Num prazo relativamente curto, a poluição plástica pode afetar o oceano e, por consequência, o mundo como conhecemos.

Em outras palavras: plásticos no meio ambiente (especialmente no oceano) pode nos sufocar muito – MUITO – mais rápido que plástico em aterros.

É uma questão de prioridade:

1ro, urgente, impedir que plásticos persistentes entrem e acumulem no oceano (e em outras partes do ambiente). A forma mais eficiente de combater a poluição plástica é melhorar a infraestrutura de coleta e disposição de resíduos. Um quilo de plástico que deixa de ir para o ambiente e vai para o aterro é uma grande vitória, pois estanca o sangramento;

2do, menos urgente, mas ainda importante, é garantir que plásticos pós-consumo encontrem seu uso mais ambientalmente eficiente (reciclagem mecânica para alguns materiais, reciclagem avançada para combustível/químicos/plásticos para outros ou, até mesmo, o uso de plásticos pós-consumo baseado em plantas em aplicações duráveis tendo o objetivo de sequestro de carbono, como, por exemplo, aditivo para asfalto)

A obsessão de Circularidade como “a” métrica é problemática, pois não prioriza a redução da poluição plástica, por exemplo:

– Um Real investido em CIRCULARIDADE, desviando plástico do aterro para a reciclagem, certamente aumentará a quantidade reciclada, mas não evitará em nada que a poluição plástica continue chegando no ambiente (porque plásticos que iriam para o aterro já não iriam para o meio ambiente);

– Um Real investido em REDUÇÃO DE POLUIÇÃO pode não aumentar a reciclagem, mas garante redução na quantidade de plástico chegando no meio ambiente. Esse seria o caso, por exemplo, da expansão da coleta de resíduos para novas áreas que – anteriormente – teriam seus plásticos não-coletados chegando no oceano.

A adoção de “circularidade” como a métrica principal relacionada à sustentabilidade de plásticos é um verdadeiro tiro no pé. Circularidade pouco pode reduzir o entendimento que plásticos são poluidores, pois plásticos continuarão a surgir em grandes quantidades nas praias ao redor do mundo.

Urgente. Precisamos mudar a métrica. Precisamos priorizar programas com base na REDUÇÃO DE POLUIÇÃO por Real investido.

Colocar a “Redução de Poluição” como principal métrica na priorização de projetos traz uma chance real salvar o oceano de danos permanentes. Seria um impulso importante para endereçar as falhas na infraestrutura de gestão de resíduos (viabilizando, portanto, a coleta e disposição em aterros sanitários dos plásticos que hoje – sem coleta – têm grande probabilidade de atingir o meio ambiente).

Desafiemos o consenso das métricas de circularidade. Seremos muito mais bem servidos por métricas de redução de poluição do que pela busca da reciclagem forçada enquanto ignorando a redução de poluição. Nossos filhos não ficariam incomodados por herdar aterros cheios de plásticos. Plásticos esses que, afinal de contas, não deixam de ser recursos a explorar. Mas nossos filhos ficariam revoltados com um oceano doente.

(Fonte: Ecopopuli, 04 de abril de 2023)

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  • Eduardo

    10/04/2023

    Perfeito, parabéns

  • Raquel Lucas

    10/04/2023

    Fale sério. Nossos filhos não ficariam incomodados com as poluições deixada por nós? Está brincando? Temos que diminuir o uso de plásticos sim. Se amarmos este planeta.

  • Bruno Rufato Pereira

    10/04/2023

    Oi Raquel, acho que não entendeu o recado. O plástico, quando bem utilizado, traz eficiência para a sociedade. Sem plásticos – ou com eliminação irresponsável – seriamos menos sustentáveis. O problema é quando plástico escapa da coleta e vira poluição, perdido no ambiente. Precisamos lutar contra a poluição plástica. Coletando mais. Plástico no aterro não é poluição. No futuro, empresas competirão pelo plástico pós-consumo, pois será recurso mais barato e disponível que recursos fósseis. É fácil perder o rumo numa discussão emocional. Para caber 8bi+ de pessoas no mundo, precisamos de plástico (bem utilizado). Precisamos de coleta total de resíduos. Precisamos continuar evoluindo as tecnologias de reciclagem avançada e de biodegradação. O caminho não é abandonar uma modernidade (plástico), mas usar de forma responsável e continuar apoiando evolução tecnológica. Todos os materiais de embalagem são ferramentas valiosas. A chave é saber como extrair o melhor deles… reconhecer as oportunidades de melhoria e atuar no desenvolvimento constante. Se amarmos esse planeta, não vamos demonizar materiais que são chave para a solução.

  • José Boaventura

    12/04/2023

    Parabéns pela redação clara e objetiva.
    Idealmente todos os investimentos seriam louváveis, enquanto viáveis financeiramente.
    No entanto, a idéia de direcionar os recursos escassos para soluções mais eficazes (ex. redução da poluição) é digna de ser considerada e priorizada.
    Um bom alerta aos gestores dos programas de sustentabilidade.